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O inconsciente e a linguagem

 Nos últimos tempos retomei com mais afinco minhas leituras de filosofia. Um bom amante de filosofia só tem intimidade com o que ama se lê sobre. Neste universo vasto do saber, um filósofo e psicanalista me chama a atenção que é Jacques Lacan. Já tive a oportunidade de escrever sobre Lacan em outro momento e hoje, falaremos um pouco sobre o papel da linguagem no inconsciente.

Alguns textos atrás, falei sobre a disposição do outro no discurso lacaniano. Neste, tenho o dever de mostrar a passagem do pensamento científico da Psiquiatria para um discurso analítico da linguagem. Lacan defende que o inconsciente não é algo inacessessível, ou do mundo das ideias, ou algo biológico como parte integrante do cérebro, mas sim um símbolo. No seu pensamento, fica claro a colocação da linguagem como eixo central do processo psíquico do individuo. O inconsciente não é algo físico, mas é algo abstrato, sendo assim traduzido pela linguagem. Algo complexo, mas de grande valia.

Neste sentido, a linguagem exerce um papel preponderante no processo da construção do sujeito. No processo, quem apropria-se do sujeito é a linguagem e não o contrário, como comumente costumamos ouvir.  O discurso exerce poder. Em Lacan, um sentido que modifica o processo de ser, modifica o que ser é. Agora já não é o indivíduo e seu inconsciente e o mundo vivencial. É na verdade a linguagem que apropria-se do sujeito convertendo o inconsciente neste mundo "posto" como real. Aqui, o filósofo psicanalista nos mostra o que mais tarde Jean Baudrillard falaria: O que realmente é o real? Será que não vivemos nas impressões das coisas, do que na realidade fática? Intrigante questão que nortearia toda uma corrente filosófica subsequente. 

Analisando o real e a relação com o sujeito na linguagem, percebe-se as patologias da psiquê na explicação de Lacan. As patologias psicanalíticas, como por exemplo a neurose e esquizofrenia, são nada mais que a linguagem que desloca o individuo da aparência do real para um mundo a parte, um mundo fantasioso.  Já a aparência do real,  real visto e posto pela linguagem já se torna nocivo ao ser humano, imagina um mundo a parte.  Nesta situação emerge o sujeito, que deveria estar no verdadeiro real e não nas cópias ou simulacros, parafraseando Baudrillard. Esse ser humano, segundo Lacan vive na linguagem, é escravo do discurso e não no mundo em si. 

Alguns podem se perguntar porque leio Lacan. Acredito que ele, sendo um pós-freudiano, converteu a psicanálise científica para um questionamento analítico da linguagem, algo próprio da filosofia. Lacan nos mostra que todo o discurso tem seu emissor e este sabe onde quer chegar. Não existe essa desculpa de não foi bem o que eu quis dizer. A linguagem é sim, um exercicio de poder, controle e governo dos vivos diria Foucault. Jacques Lacan consegue converter o que era acessível apenas pela ciência, no caso o inconsciente, para o campo da especulação filosófica. Nos diz muito, e torna-se cada vez mais pertinente. Lacan é permanentemente atual.

Lacan vive. Linguagem simples, mas que exerce poder sobre você, sobre mim, sobre nós.  



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