Retomando os escritos sobre Filosofia, um dos conceitos mais intrigantes que a filosofia francesa do fim do século XX trouxe, é o da Esquizoanálise, campo de práticas e saberes inaugurado pelo filósofo francês Gilles Deleuze e do psicanalista Félix Guattari junto a uma das obras em conjunto mais célebres: O Anti-Édipo. Hoje desenvolveremos uma análise sobre este conceito e quanto é atual a sua presença no mundo pós-moderno que vivemos.
A Esquizoanálise é uma concepção da realidade em todas suas superfícies, processos e entes, e também nas suas individuações inventivas como acontecimentos-devires. Para esta concepção, a produção, o registro e o desejo revolucionários são imanentes e produtores de toda a realidade. Consiste em uma leitura da realidade, tanto natural, quanto social, subjetiva e industrial-tecnológica. Percebe-se que a intenção de Deleuze e Guattari foi criticar a concepção psicanalítica que estaria atrelada a a dicotomia falta e castração. Neste sentido, essa teoria questiona a visão estruturalista que se fixara no simbolismo, tirando a carga sobre o siginificante e o pensamento sobre representação e identidade, o qual deveria se libertar, estabelecendo a primazia ontológica da diferença.
Para ficar de modo mais claro, a Esquizoanálise se dedica a mostrar que a identidade do sujeito está ligada a sua práxis mais do que a sua essência em si. Parafraseando Jean- Paul Sartre, seria como o individuo está na sua existência, naquilo que o faz, não na essência, naquilo que o fizeram. Esse principio da Esquizoanálise se aprofunda nos processos de diferenciação, através dos fluxos que podem ser semióticos, linguísticos, corpóreos, que se interligam pelos diversos campos do saber. Portanto, mais do que um conceito, algo pensado na forma teórica, a Esquizoanálise é algo prático, algo próprio da práxis, uma análise dos modos de subjetivação de sujeitos e grupos em suas relações com as instituições e com o mundo.
Neste sentido, esse processo instaurado por Deleuze e Guattari se torna uma forma nova de ver o sujeito, não de forma ingesada, cristalizada, mas um individuo de possibilidades, que se baseia na experimentação mais do que a interpretação, fundando uma analise clinica da diferença, uma nova forma de singularização, uma prática terapêutica diferenciada.
Em um sentido prático, o que se tem são forças biopolíticas que se degladeiam e o sujeito está no meio sendo cristalizado e alienado em meio a valores pré-estabelecidos que, como aduz Foucault, por vezes castram o sujeito em sua liberdade inventiva. O sujeito é aquilo que o poder quer que seja. Não se tem o processo livre para ser diferenciado. Nisto surge as patologias, as doenças que na limitação do individuo faz com que perca a libido, o desejo da diferença. Para tanto a intenção é romper as barreiras da estrutura da linguagem dos saberes instituidos, que aprisiona o sujeito, para um fluxo de trocas de saberes ramificados, que parte do conceito de Rizoma, algo próprio da botânica, onde um rizoma parte de um indeterminado ponto a chegar em outro sem pré-determinação. Para os filósofos, esta seria a liberdade plena do sujeito, que desterritorializa ele, podendo dialogar com amplas frentes.
Trago esta prática de saberes como algo que se torna cada vez mais latente em nosso tempo. As pessoas por diversos fatores, foram sendo podadas, castradas e foram passivamente se tornando dóceis a isso. Michel Foucault, comtemporâneo a Deleuze e Guattari, chama de " Corpos Dóceis" a essa forma de "domesticação" do sujeito. Podar a capacidade inventiva e artística do humano talvez seja uma das maiores crueldades que se pode ter. A necessidade da biopolítica e das estruturas de poder em manter essa " poda curta" se dá pela forma de controle que se há neste individuo manso. Isso se replica num processo que toma instâncias maiores, como uma "docilidade coletiva" que desemboca numa alienação social.
O que filosófos desta escola francesa desconstrutivista pós- revolução de Maio de 68 almejou foi de pôr nas discussões um olhar mais crítico a realidade. A Esquizoanálise é um dos meios que rompe com o processo encaixotado determinado de compreender o real, e a realidade posta. Se dar a oportunidade de ler sobre, abre o campo de entendimento e nos desloca ao questionamento, que ao mesmo tempo nos cobra uma mudança. Não é todo mundo que está preparado para isto.
Quanto mais leio esses franceses, mais me questiono e me permito questionar.
Escolhi uma imagem que remete muito a experiência da Esquizoanálise, dos múltiplos e multiplicidades, algo próprio do Deleuze e Guattari.
Se permita e verás.
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